sexta-feira, 4 de novembro de 2011

COLISÕES

O CINEMA DE ROBERT BREER

PROGRAMA DE CINEMA

exd'11 / cinemateca portuguesa - museu do cinema

A obra cinematográfica de Robert Breer (1926-2011) foi marcada, nas suas diferentes fases, por um interesse pelas colisões entre as imagens, pelas suas metamorfoses e pelas técnicas de composição e montagem, com um sentido imenso de inventividade formal e de irrisão que caracteriza os seus filmes. Breer nasceu em Detroit em 1926 e estudou pintura, tendo ido muito cedo para Paris onde, nos anos 50, se associou com o grupo de pintores reunidos à volta da Galeria Denise René e o movimento do neo-plasticismo, que influenciaria os seus primeiros trabalhos artísticos e as suas primeiras experiências no cinema, feitas com a câmara amadora do seu pai e que constituem simples abordagens para imprimir movimento e ritmo às suas composições abstractas. Estes primeiros anos de criação viram Breer desenvolver o seu interesse pelo cinema e pelas técnicas de composição, bem como pela relação entre o movimento e a imobilidade (algo que exploraria de forma diversa nos seus primeiros filmes e nas suas esculturas móveis). Os filmes deste período tomam o fotograma como unidade básica do cinema e a sua invenção passa pela colagem de materiais distintos, organizados segundo diferentes critérios em ensaios animados de colisão e contraste entre os elementos na imagem. O seu interesse no final da década de 50 pelos “flip-books” e pela dimensão escultural da construção fílmica reflecte-se na sua obra, que começa cada vez mais a evidenciar as marcas da sua própria realização. Em 1962, dizia numa entrevista que “O que me interessa é atacar os materiais básicos, rasgar o filme, voltar a juntar os pedaços e arranjá-los de novo. Estou interessado pelo que está entre as imagens em movimento e as imagens fixas.” O trabalho de Breer, consciente e inconscientemente, revela-se na encruzilhada criativa entre o cinema que o precedeu e uma prática de síntese e reinvenção crítica que passa pela citação, apropriação e mesmo pelo “ataque directo sobre as suas convenções” (o cinema de Breer alimentou-se da influência das animações de Hans Richter, Viking Eggeling, Oskar Fischinger, entre outros, mas igualmente da animação e inventividade das animações de Emile Cohl, Max Fleischer, a loucura e rapidez de Tex Avery, entre outros). O seu interesse pelas qualidades particulares do movimento / imobilidade levou-o a explorar de modo diferente a especificidade das áreas artísticas em que trabalhou, seja a escultura (em que explorou precisamente a mobilidade dos objectos, construindo esculturas móveis, procurando, tal como afirmou, “isolar o movimento”) ou o cinema, em que a todo o momento experimentou contrariar a natureza própria do cinema para reproduzir “naturalmente” o movimento das coisas que nos rodeiam. O regresso aos Estados Unidos permitiu-lhe explorar uma série de colaborações, nomeadamente com artistas como Claes Oldenburg ou Karlheinz Stockhausen, bem como prosseguir o seu trabalho no cinema numa série de explorações formais rigorosas que expandem o seus interesses variados pela organização e qualidades das imagens (evidente, por exemplo, na “forma aberta” de alguns dos seus filmes deste período ou pelo incrível trabalho de cor em alguns deles), pela mistura de técnicas de animação e pelo tipo de imagens que utilizou (imagens encontradas, fotografias, etc). A partir dos anos 70 e sobretudo nos filmes em que passou a recorrer à animação com rotoscópio, os seus filmes prolongaram a lógica de colisão entre as imagens ao contraste criativo entre as imagens reais e a animação, entre a representação e a abstracção, em jogos de composição cada vez mais criativos e em que a sua própria vida serve de ponto de partida para os filmes (os objectos com que se rodeia, as viagens que faz, apontamentos da sua vida privada). Como refere David Curtis num catálogo dedicado ao autor, “o seu ambiente quotidiano, infiltra-se nos seus filmes, como pontos de referência e não como temas” e são estas associações, sempre surpreendentes e significativas, em que os objectos se metamorfoseiam constantemente em comentários espontâneos, divertidos e significativos à sua própria função e aquilo que deles esperamos; em que as figuras se articulam de forma inesperada; em que as imagens reais se justapõem à animação (as paisagens, as estações do ano, as imagens íntimas, familiares); em que os jogos de linguagem (escrita e falada) tornam mais rica e complexa a relação entre entre as imagens e em que os sons, esparsos e seguindo a lógica associativa dos seus filme; que contribuem para a construção de um universo criativo singular. O programa que aqui se apresenta não é uma retrospectiva integral, mas procura visitar vários momentos da obra de Robert Breer, bem como dar a conhecer dois momentos documentais à volta do seu trabalho.

I.

10 de Novembro, Quinta-feira, 19:30

Fantasmagorie de Emile Cohl, 1908, 1’30’’

Os filmes de Emile Cohl foram uma das principais inspirações para o cinema de Robert Breer e inclui-se aqui este filme como um pequeno tributo. Fantasmagoria é um espantoso filme de animação que começa com a mão do autor a desenhar um palhaço num quadro negro e a libertar a sua figura numa inventiva e progressiva metamorfose.

A Man and His Dog Out For Air de Robert Breer, 1957, 2’

“O filme pode ser descrito como uma espécie de guisado: de vez em quando, vem à superfície algo que reconhecemos e que volta a desaparecer. No final, vemos por fim o homem e o seu cão e é quase como uma piada…é o absurdo que leva o espectador a aceitar aquilo que é um jogo livre de linhas e ritmos puros.” R.B.

Un Miracle de Robert Breer, 1954, 0’28

“O primeiro filme de colagem de Breer é uma piada hilariante sobre os talentos malabaristas do Papa Pio XII, feito em colaboração com Pontus Hulten.”

Recreation de Robert Breer, 1956, 16mm, 2’

Uma ruptura da continuidade, fotograma a fotograma – pinturas, imagens encontradas e imagens de objectos que oferecem diferentes leituras espaciais justapostas. Alguns dos planos duram três a quatro fotogramas e contêm movimento, aumentando a intensidade dinâmica do filme. A acompanhar as imagens, ouvimos um texto lido por Noël Burch num francês ininteligível.

Jamestown Baloos de Robert Breer, 1957, 6’

“Um filme em três partes inspirado por um tríptico em Lübeck em que duas secções sonoras a preto e branco envolvem uma secção a cores, silenciosa. Recortes de imagens de máquinas de guerra e a figura de Napoleão – numa evocação anti-guerra -, encontram formas abstractas, linhas desenhadas, paisagens de velhos mestres da pintura, clarões breves de filmagens de paisagens e aguarelas gestuais, toscamente filmadas…uma síntese de todas as técnicas anteriores.” R.B

Eyewash de Robert Breer, 1959, 4’

Um filme que associa livremente a imagem fotográfica à abstracção geométrica pintada à mão por Breer.

Blazes de Robert Breer, 1961, 3’

“100 imagens básicas a mudar de posição em quatro mil fotogramas. Uma explosão contínua.” Breer

Horse over Tea Kettle de Robert Breer, 1962, 6’

Horse over Tea Kettle é um tour-de-force de técnica de desenho à linha que procede de acordo com a lei da transformação contínua. Somos relembrados do trabalho de Émile Cohl quando vemos um chapéu transformado num pássaro, um pássaro num homem e um homem num sapo. O filme cria um mundo e espaço sem gravidade onde as personagens e objectos (senhoras com chapéus de chuva, anjos, árvores, casas) parecem flutuar.” Lucy Fisher

Breathing de Robert Breer, 1963, 5’

“Com o meu passado, a minha tentação quando começo a desenhar, é deixar as coisas florescer para outras áreas e fazer desenhos animados, trazendo material exterior… Neste caso decidi… que ia manter as coisas muito próximas de imagens directas e concretas… o movimento daquela linha, o seu lugar no ecrã, a sua densidade e ritmos… seriam a totalidade do filme.” R.B.

Robert Breer (rushes de Hiroshima vive le cinéma) de André S. Labarthe, c.1966, 56’

Um documento raro recentemente recuperado pela Cinemateca Francesa que compila rushes de diferentes encontros de André Labarthe com Robert Breer, parte da série Hiroshima. Vive le Cinéma. O primeiro encontro é uma conversa entre o realizador e Breer registada em Montreal, em que este fala dos métodos de composição que utiliza nos seus filmes de animação. O segundo excerto é outro encontro fascinante, desta vez entre Annette Michaelson e Robert Breer em Nova Iorque numa conversa sobre a escultura de Breer, sobre os seus objectos móveis e a suas ideias sobre os seus projectos esculturais, os seus “mutoscópios” e “flutuantes”. Sobre estes simples objectos móveis e a sua relação com o movimento disse Breer: “Quando nos apercebemos que eles se movem e quando se torna claro que há vários destes objectos, a mover-se em relação uns aos outros, o seu movimento é algo que lhes é exterior, que não faz parte deles… O que espero que aconteça é que o seu movimento se torne numa essência, tal como o ar que os rodeia e desta forma consiga isolar o próprio movimento. (É isso que tentei fazer com os meus filmes, ao explorar o fluxo, o fluxo de todo o movimento, parando por vezes para dar a perceber quando é que a acção começou.)” R.B.

II.

11 de Novembro, Sexta-feira, 19:30

Homage to Jean Tinguely's 'homage to new york' de Robert Breer, 1960, 16mm, 9’

O filme é uma espécie de registo da construção da escultura “auto-destructiva” de Jean Tinguely criada para uma performance nocturna no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Breer explora uma série de técnicas de filmagens, recorrendo a planos breves e fotografias animadas para dar à escultura uma vida própria e independente.

Pat’s Birthday de Robert Breer, 1962, 13'

Um registo fragmentário – “blocos de tempo exteriores à narrativa” – de um happening numa festa de aniversário em que Claes Oldenburg constrói um bolo-colagem para a sua esposa.

Fist Fight de Robert Breer, 1964, 16mm, 9’ (LC, LUX)

Fist Fight é um dos filmes mais espantosos de Breer, uma autobiografia que combina fotos pessoais e de família com cores intensas, texturas e abstracções geométricas. O filme foi originalmente apresentado na estreia da performance de Originale de Karheinz Stockhausen em 1964.

Stockhausen’s Originale: Doubletakes de Peter Moore, 1964-94, 30’05’’

O filme documenta a estreia norte-americana da produção Originale, um happening de Karlheinz Stockhausen. Filmado no segundo Festival Anual de Vanguarda, produzido por Norman Seaman e Charlotte Moorman, a produção foi apresentada no Judson Hall em Nova Iorque e foi dirigida por Allan Kaprow. Entre os participantes encontravam-se Robert Breer, Nam June Paik, Charlote Moorman, Jackson MacLow, Allen Ginsberg, entre muitos outros.

III.

23 de Novembro, Quarta-feira, 22:00

Form Phases I de Robert Breer, 1952, 2’

Form Phases II de Robert Breer, 16mm, 2’

Form Phases IV de Robert Breer, 16mm, 4’

Três dos primeiros filmes de Robert Breer da série Form Phases, influenciados pela sua prática artística e pela pintura. São trabalhos sobre a composição em movimento, geométrica e abstracta.

69 de Robert Breer, 1968, 16mm, 5’

Formas sólidas e afiadas – desenhadas em cartões com uma faca e uma régua - e formas com contornos tri-dimensionais (barras redondas e octogonais, uma figura com a forma do rebordo de uma porta, etc.), rodam no espaço, alternando-se até se desintegrar opticamente. “69 desfaz-se a si próprio. Começa como um sistema, e depois o sistema desagrega-se e vai para o inferno. Durante a montagem surgiu-me a ideia de que se devia desagregar e então misturei os cartões. Achei que merecia desfazer a minha própria pretensão à pureza formal” R.B.

70 de Robert Breer, 1970, 16mm, 5’

Às formas afiadas e lineares dos filmes anteriores, juntam-se formas mais suaves com contornos pulverizados; o ritmo fotograma a fotograma dos filmes anteriores transforma-se em padrões a dois fotogramas (e mais longos) de alternância.

77 de Robert Breer, 1977, 16mm, 7’

“Breer é um mestre consumado do espaço cinematográfico. Tal como Hans Richter ele provoca constantemente uma sensação de profundidade ao alterar as escala das suas formas. Breer celebra a liberdade endémica na animação ao dar ao espectador um papel criativo no processo da metamorfose” Noël Carroll

Gulls and Buoys de Robert Breer, 1972, 16mm, 7’30’’

O primeiro filme em que Breer usa o rotoscópio. As imagens delineadas são típicas de um qualquer filme amador feito à beira-mar, mas são vistas e analisadas em fragmentos isolados; partes de corpos e objectos, movimentos parciais, entremeados como um jogo de formas mais abstractas e de cores.

Rubber Cement de Robert Breer, 1975, 10’

Uma colecção anárquica de invenções, usa o rotoscópio para trabalhar imagens de família com objectos encontrados para criar uma animação quase sem forma que explode com cor e movimento. Abundando com alusões ao processo de construção de um filme e à história da animação (incluíndo uma aparição de um convidado surpresa, Felix, o Gato), Breer realiza um filme jubiloso, afectuoso e divertido, com o uso de mates em movimento para cruzar as imagens dos seus filmes com as imagens animadas.

Fuji de Robert Breer, 1974, 16mm, 9’

Fuji é um dos mais belos e surpreendentes filmes de Robert Breer. Tal como o título indica, o filme parte do contorno do Monte Fuji, no Japão, filmado numa viagem de comboio. Breer usa o rotoscópio para envolver as formas que vemos numa especulação extendida sobre os limites entre a representação e a abstracção. É ainda uma montanha ou apenas outras das obsessões geométricas de Breer?

IV.

30 de Novembro, Quarta-feira, 22:00

LMNO de Robert Breer, 1978, 16mm, 10’

Um polícia típico de Emile Cohl é confundido pela sua própria instabilidade e pela mutação de tudo o que está à sua volta… “ABCD Goldfish? LMNO Goldfish”…

TZ de Robert Breer, 1979, 16mm, 9’

TZ constitui, por um lado, um retrato da nova casa e espaço de trabalho de Breer – um apartamento com vista ao longe para a ponte Tappan Zee – e dos objectos à sua volta numa mesa. Por outro lado, o filme evoca fantasias, dúvidas e sonhos. Os temas familiares da sua obra: a abstracção face à representação e o choque entre fotogramas, são enriquecidos pela inclusão de fotografias “tratadas” – polaroids desenhadas – e pelo prazer de Breer na descoberta de um novo instrumento de desenho, uma caneta que lhe permite apagar o desenho feito, regressando assim à pureza branca dos cartões.

Swiss Army Knife with Rats and Pigeons de Robert Breer, 1981, 16mm, 7’

“… o filme demonstra o corte sinuoso entre as imagens de acção real e as imagens animadas, as associações muito rápidas e as transformações, com a liberdade na colagem do quotidiano com o imaginário no som e na imagem e um momento diabólico de síntese durante o clímax em que a ratoeira . Breer é sem dúvida o maior animador praticante.” Amy Taubin.

Trial Balloons de Robert Breer, 1982, 16mm, 6’

“O filme mais recente de Breer combina imagens refotografadas com animação. Tal como o restante trabalho de Breer, é associativo e consegue sugerir ao mesmo tempo espontaneidade e elegância. É o seu filme mais divertido e breve dos últimos anos.” Amy Taubin

BANG! de Robert Breer, 1986, 16mm, 10’

“Em BANG! produz com sucesso 10 minutos intensos de colagens caóticas como nunca tinha feito anteriormente. Imagens televisivas de um rapaz num barco de remos e uma multidão imensa num estádio, planos de flores rosas e vermelhas, bem como um telefone de brincar, são misturadas com desenhos frenéticos de um jogo de baseball com o toque de Breer: entre grossos traços a lápis, Breer insere uma foto sua com um grande ponto de interrogação a acompanhar o texto: ‘Don’t be smart’ (‘Não te armes em esperto’).” K. Dieckman

A Frog on the Swing de Robert Breer, 1989, 16mm, 5’

Nos anos 80, Breer realizou alguns filmes a que chamou “animação para crianças” entre os quais se conta este filme, dedicado à sua filha.

Robert Breer at Home de Jennifer L. Buford, 1992, 7’

Um breve filme sobre Robert Breer em que este mostra alguns dos seus mutoscópios e mostra alguns dos cartões que fez para o filme Sparkill Ave!

Sparkill Ave! de Robert Breer, 1993, 5’

“Cenas da vida quotidiana na avenida em que vivia Robert Breer. Alternância de fotografias, desenhos, animação, jogos de palavras e imagens. Uma improvisação visual de todas as estações que acompanham alguns motivos: pares de óculos, animais e bébés em movimento, mais ou menos agitados.” Yann Beauvais

Time Flies de Robert Breer, 1997, 16mm, 5’

“A base formal deste filme, bem como de todos os meus outros filmes, é o ritmo visual. Tudo o resto, incluíndo o som, está subordinado ao ritmo a não tem de ser perceber para apreciar. Sobretudo, não fechem os olhos.” R. Breer

ATOZ de Robert Breer, 2000, 16mm, 5’

Um alfabeto animado em que as ilustrações para cada uma das letras parecem ter sido escolhidas arbitrariamente como num dicionário. Filme dedicado a Zoe, a primeira neta de Breer.

What Goes Up de Robert Breer, 2003, 16mm, 5’

What goes up é o filme que encerra a filmografia de Breer e é um resumo das suas técnicas e da sua visão do cinema. É construído a partir de fotogramas, desenhos, colagens, sons, extractos de vídeo e fotografias. Põe em movimento as cíclicas viagens da vida e as colisões inesperadas que esta nos reserva. “Tudo o que sobe, acaba por descer.”

IMAGENS: Cortesia dos Anthology Film Archives

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